Ipossibilidade Cobrança de Dívida Prescrita
Nova orientação do STJ
Cássio Rodrigues
1/24/20246 min read
Impossibilidade de cobrança de dívida prescrita
O Superior Tribunal de Justiça, em 17 de outubro de 2023, proferiu decisão no Recurso Especial nº 2.088.100/SP, estabelecendo um precedente que determina que o reconhecimento da prescrição impede tanto a cobrança judicial quanto extrajudicial da dívida. Sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma do tribunal concluiu, por unanimidade, que o método utilizado na cobrança (judicial ou extrajudicial) é irrelevante, pois a prescrição efetivamente torna praticamente ineficaz a pretensão de ver a dívida quitada.
Votando em concordância com a relatora, o ministro Marco Aurélio Bellizze ressaltou que havia proferido julgamento em um caso de sua relatoria (AgInt nos EDcl no AREsp nº 2.334.029/SP), fundamentado no AgInt no AREsp nº 1.529.662/SP, também da 3ª Turma. Este último, por sua vez, equivocadamente se baseou no REsp nº 1.694.322/SP, no qual uma questão diferente foi definida. Neste último caso, foi estabelecido que a prescrição não resulta na inexistência da dívida ou na quitação do débito.
Apesar do brilhantismo do voto condutor do acórdão, característico dos julgamentos da ministra Nancy, esse entendimento parece divergir da doutrina nacional predominante e da jurisprudência consolidada no âmbito da própria corte.
A visão expressa por Beviláqua, Espínola, Carpenter, Câmara Leal, Carvalho Santos, conforme citado por Orlando Gomes, sugere que, através da prescrição extintiva, não é o direito que perece, mas sim a ação que o defende. Silvio Rodrigues reforça essa perspectiva ao afirmar que o direito (crédito) permanece inativo por longos períodos sem perder sua eficácia.
Diante desse contexto, se o direito (crédito) não é aniquilado com o reconhecimento da prescrição do direito de ação, especialmente considerando a existência de outros mecanismos jurídicos como costumes e princípios gerais, Anderson Schreiber adverte que a interpretação jurídica não deve se limitar à análise servil da lei ou se subordinar apenas à produção estatal. Ele destaca a importância de uma interpretação jurídica aplicativa, focada na máxima concretização dos valores constitucionais em cada caso concreto, considerando não apenas a literalidade, mas também o conjunto, a história e os fins do ordenamento jurídico.
Conforme os costumes, é comum que quem deve, pague. Além disso, o ato de pagar o que se deve é uma decorrência lógica e uma consagração dos princípios gerais do ordenamento jurídico, tais como suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu), honeste vivere (viver honestamente) e neminem laedere (não causar dano a ninguém). Adicionalmente, não é permitido a ninguém se beneficiar de sua própria má conduta (venire contra factum proprio).
A afirmação de que um direito existe, mas não pode ser buscado extrajudicialmente, parece paradoxal. É comparável a estar com fome, possuir um pão, mas não poder comê-lo simplesmente porque passou do horário estabelecido. Se a necessidade e a solução estão presentes, o horário torna-se uma consideração secundária.
A pretensão, entendida como um desejo volitivo de natureza pessoal que transcende o processo judicial e seus institutos, como a prescrição, não deveria ser impedida. Segundo a definição de Pontes de Miranda, a pretensão é "a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa", e essa capacidade, ao que parece, independe da via pela qual o direito material será buscado, seja ela judicial ou extrajudicial.
Nesse contexto, ao contrário do entendimento expresso no precedente em discussão, acreditamos que a pretensão, concebida como uma vontade pessoal, está sujeita ao princípio da indiferença das vias, mas com uma perspectiva distinta: pode ser exercida tanto judicial quanto extrajudicialmente.
Apesar de o precedente ter fundamentado sua decisão na chamada teoria da pretensão, incorporada pelo Código Civil de 2002 no artigo 189, que estabelece o nascimento da pretensão e sua extinção pela prescrição nos prazos mencionados nos artigos 205 e 206, argumentamos que esse dispositivo legal deve ser interpretado à luz do artigo 5º da LINDB. Este último estabelece que, na aplicação da lei, o juiz deve considerar os fins sociais a que ela se destina e as exigências do bem comum. Assim, a prescrição não deveria aniquilar o direito do credor de buscar seu crédito por outras vias permitidas no ordenamento jurídico.
Não é apropriado distorcer o princípio da indiferença das vias para sustentar que "pouco importa a via ou instrumento utilizado para a realização da cobrança, porquanto a pretensão — que é o instituto de direito material que confere ao credor esse poder — encontra-se praticamente inutilizada pela prescrição. O fenômeno ocorreu no plano do direito material", pois a finalidade desse princípio é precisamente o oposto.
Em síntese, se a prescrição não resulta na inexistência da dívida ou no pagamento da obrigação, é imperativo admitir que tais direitos podem ser reivindicados por meios distintos do processo judicial (respeitando o princípio da adequabilidade dos meios). O descumprimento desse princípio poderia violar os deveres de lealdade, honestidade, boa-fé, cooperação e respeito às legítimas expectativas de quem teve seu patrimônio reduzido, na esperança de receber uma contraprestação.
Dessa forma, mesmo que a tutela jurisdicional possa não mais ser viável (distinta da prestação jurisdicional, que é o direito de ação), a relação jurídica real entre dívida e pagamento permanece intacta. Portanto, se houver uma cobrança extrajudicial apropriada, não cabe ao Poder Judiciário declará-la inviável. Como afirmado em decisão anterior (AgInt no AREsp nº 2.279.848/PE, relator ministro Raul Araújo, 4ª Turma, DJe de 23/6/2023), "inviável a declaração de inexistência de uma relação jurídica em razão da ocorrência da prescrição, que extingue apenas a pretensão, mas não o próprio direito violado, que permanece hígido."
Assim, a pretensão de receber o crédito permanece intacta até que o credor renuncie a ela; o que não mais subsiste é a coercitividade obtida pela via do Poder Judiciário.
Entender de maneira contrária implicaria reviver a teoria imanentista do direito romano, sugerindo que a ação judicial é, de fato, o próprio direito violado, embora essa distinção seja afirmada teoricamente no voto, mas na prática acabe sendo anulada. Essa teoria não reconhecia uma clara distinção entre o direito de ação em si (pedir ao Estado o provimento jurisdicional) e o próprio direito material violado.
Ao basear-se em doutrina majoritariamente estrangeira para descartar a possibilidade de cobrança extrajudicial de dívidas prescritas, a decisão do STJ levanta questionamentos sobre a adequação dessa abordagem à realidade cultural brasileira. Isso suscita dúvidas sobre se essa abordagem está alinhada com a expectativa de que o devedor, por mera liberalidade, pagará suas dívidas, considerando a tolerância social ao inadimplemento e a busca por brechas para não quitar a dívida, elementos distintivos da cultura brasileira em relação a outros sistemas jurídicos.
A crença de que o devedor pagará uma dívida prescrita com base em seus "valores morais" parece ingênua, especialmente se esses valores não foram acionados quando a dívida não estava prescrita. A imoralidade do ato de dever e não pagar não deve ser prestigiada apenas pela inatividade do credor em buscar o crédito.
Ao proibir a cobrança extrajudicial de dívidas prescritas, é crucial considerar as implicações dessa decisão à luz do conceito aristotélico de justiça. Essa proibição também pode ser interpretada como uma quebra da boa-fé contratual, uma vez que a prescrição não isenta o devedor de seu dever ético e moral de honrar seus compromissos.
A busca pela equidade, proporcionalidade e correção de desigualdades deve ser um princípio fundamental na interpretação das normas jurídicas, permitindo que a justiça seja efetivamente alcançada em conformidade com os princípios éticos e morais que orientam nossa sociedade, conforme os princípios gerais de direito mencionados anteriormente.
A prescrição é um instituto jurídico, e como tal, não deve ser usado para prejudicar o espírito do próprio ordenamento jurídico. Em outras palavras, enquanto a prescrição beneficia o devedor, não deve, por outro lado, sacrificar o direito do credor. Ao equilibrar o dever de pagar e o direito de receber na justa e imparcial balança de Themis, é evidente que o direito de receber deve prevalecer, refletindo a justiça intrínseca a ele.
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